Acabou vendo Joan Brossa
que os verbos do catalão
tinham coisas por detrás.
Eram só palavras, não.
João Cabral
O discurso reflete a realidade em suas relações sociais, mas não como ela é. Convém a classe dominante, que sejam mostradas apenas formas aparentes da realidade. Utiliza-se para isso, do discurso ideológico para nivelar as classes. A intenção é parecer que todos são iguais, escondendo assim a realidade massante da desigualdade, presente na sociedade burguesa e a subordinação de uma classe à outra.
Prova disso, são os temas dominantes do discurso da segunda metade do século XIX que refletem uma determinada formação ideológica. Como por exemplo, o Naturalismo pregava que o homem é determinado pelo meio, a hereditariedade e o momento, tese que provém do positivismo da Europa. Além disso, as obras naturalistas em exemplo do cientificismo provindo da França, no qual todos os fatos sociais eram explicados por determinações mecânicas, adotou a objetividade, tornando-se também aqui no Brasil uma ideologia dominante.
Mas nem todos se preocuparam em reproduzir o discurso dominante. Podemos citar o padre Antônio Vieira que polemizava os intelectuais do século XIX de sua época, ao produzir um discurso que denunciava o modo de produção, a exploração e a perversidade do sistema escravagista. Neste sentido, se opunha a ideologia dos poderosos.
O texto de Vieira embora não manifeste a visão do mundo dominante, revela uma das visões de mundo presentes na formação social em que vive. Ou seja, querendo ou não, o discurso reflete a realidade em suas relações sociais, a diferença consiste em não reproduzi-lo.
Busquemos o pensamento de linguístas: de um lado, Marr acredita que a linguagem é elemento da superestrutura, visto que as transformações na sociedade produzem mudanças no sistema linguistico. Por outro lado, Stálin diz o contrário. Para ele, a língua não tem caráter de classe, é apenas um sistema autônomo que deveria ser falado por todos de forma homogênea, de modo que não houvesse diferentes falares. O fato é que ambos restringiram muito o lugar que a linguagem ocupa. Nem uma coisa nem outra. A função da linguagem é muito complexa e a única coisa que se pode afirmar é que ela é um veículo que representa a ideologia social.
O fato é que ninguém fala por falar. Tudo o que se diz tem o objetivo de influir sobre os outros . E mesmo que não o tenha acaba-se reproduzindo algum saber. Comunicar vai além de agir no mundo. E a regra é que, quem comunica acaba reproduzindo a ideologia dominante, ou então, vai contra ela . Nesse sentido, a linguagem serve tanto para libertar quanto para oprimir. É preciso atentarmos que nem sempre a ideologia burguesa está com a razão, e consequentemente, não devemos reproduzi-la, sem ao menos nos perguntar se aquilo é mesmo verdade. Embora haja uma tendência das classes subalternas disso, é necessário defender-se dos apelos dos discursos ideológicos dominantes.
Em suma, a linguagem é um fenômeno extremamente complexo e multifacetado. Embora não seja em si um fenômeno que tenha um caráter de classe, as classes a utilizam para transmitir suas representações ideológicas.O importante é não contribuir para reforçar as estruturas de dominação, não permitindo que a linguagem seja instrumento de opressão ou de conservação, mas antes, de libertação e mudança.
A reflexão sobre a linguagem desafia homens há milênios, porque dela se pode dizer o que dizia Riobaldo, no Grande Sertão Veredas:
"Todos estão loucos neste mundo? Porque a cabeça da gente é uma só, e as coisas que há e que estão para haver são demais de muitas , muito maiores diferentes, e a gente tem de necessitar de aumentar a cabeça para o total."
Marlucy
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