Ismália
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
Alphonsus de Guimaraens
Publicado no livro Pastoral aos crentes do amor e da morte: este poema, integrante da série "As Canções", foi incluído no livro “Os cem melhores poemas brasileiros do século”, Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001, pág. 45.
Análise
Dos escritos de Alphonsus de Guimaraens, Ismália é o mais popular. Nele, as relações entre corpo e alma ou matéria e espírito são postas em evidência. Quando refere-se a céu e mar, significa que o céu recebe a alma; logo, liga-se ao aspecto espiritual; o mar recebe o corpo , logo, representa o universo material.
Todo o texto é construído com base em antíteses: perto, longe; subiu, desceu, as quais articulam-se em torno de desejos contraditórios de Ismália, que se dividem entre a realidade espiritual e a realidade concreta.
Poema simbolista que retrata bem o movimento literário do qual faz parte, ao valorizar os aspectos interiores e pouco conhecidos da alma e da mente humana. Como por exemplo, nas palavras "enlouqueceu", "sonhar", "desvario" .
Quanto aos aspectos formais do texto, estes ligam-se à tradição medieval, assim como no Romantismo. Faz uso da redondilha maior, de versos ritmados e de estruturas paralelísticas, como: "Viu uma lua no céu,/ Viu uma lua no mar", recursos comuns na poesia medieval.
Enfim, é um poema de transcendência espiritual. Por meio da morte, Ismália transcende o mundo material e integra-se ao cosmos. Sem dúvida, a personificação do Simbolismo.